Conheça a história de Theodor contada por nossa querida Maria Woldan aqui no Inflamável.
Diagnosticado com Doença de Crohn aos oito meses de idade, o pequeno Theodor Mayer Pegoretti enfrentou uma jornada de dor e incerteza em busca de diagnóstico e tratamento adequado. Hoje, aos cinco anos, ele vive em remissão — pois, infelizmente, a doença autoimune não tem cura.
Setembro de 2019, Rodeio, Santa Catarina. Angela Mayer, mãe de primeira viagem, ficou extremamente preocupada ao perceber uma grande quantidade de sangue e muco na fralda de seu bebê, Theodor, que tinha apenas 27 dias. A busca por respostas começou quando ela e o marido, Marcelo Pegoretti, levaram o pequeno ao pediatra. A suspeita inicial foi de alergia à proteína do leite de vaca.
Como Angela amamentava, a solução foi adotar uma dieta sem produtos lácteos. Embora houvesse uma leve melhora, o sangramento nas fezes do bebê persistiu. “Theodor era um bebê muito fofo: crescia, ganhava peso e tinha um desenvolvimento normal,” relembra Angela. Mas aos sete meses, tudo mudou. Ele voltou a apresentar sangramentos intensos e foi novamente ao médico. Desta vez, a consulta foi com a gastropediatra Mirella Souza, em Blumenau. Ela recomendou uma fórmula infantil específica, livre de proteína do leite de vaca, que custava em média R$ 250 por lata. Com o bebê consumindo cerca de 10 latas por mês, a
família precisou arcar com um custo mensal de R$ 2.500. Apesar do esforço, o sintoma não cessava.
Aos seis meses, a tentativa de introdução alimentar com papinhas e frutas foi difícil, pois Theodor não tinha apetite. “Ele não conseguia se expressar claramente, o que complicava a situação, pois tentávamos deduzir seus sintomas,” explica Angela. A situação levou a uma série de exames, incluindo colonoscopia com biópsia. Nessa idade, os bebês não apresentam muitas lesões na mucosa intestinal, tornando o diagnóstico de Doença de Crohn desafiador. A gastropediatra então sugeriu buscar ajuda da gastroenterologista pediátrica Maraci Rodrigues, em São Paulo. Finalmente, após meses de angústia e espera, o diagnóstico chegou: Doença de Crohn.
Essa patologia é uma doença inflamatória intestinal (DII) que provoca inflamações no sistema digestivo, podendo atingir diversas camadas de todos os órgãos do aparelho (da boca até o ânus) de maneira não-contínua, ou seja, pode haver trechos de órgãos saudáveis e trechos doentes. A patologia também pode ter manifestações extra-intestinais, dermatológicas, oftalmológicas, urológicas, hepáticas, pulmonares e vasculares. A doença de Crohn é autoimune, de origem desconhecida e não possui cura, apenas tratamento. A condição eleva os riscos de desenvolvimento de câncer de cólon e é dividida entre fase ativa, quando há o surgimento e a progressão de sintomas, e fase de remissão, quando o paciente não apresenta sintomatologia.
Tentativa e erro
Theodor passou por uma série de tentativas de tratamento. Inicialmente, foram usados medicamentos corticóides, sem sucesso. A seguir, foi a vez de corticóides combinados com anti-inflamatórios, que não só falharam como agravaram a situação, causando ainda mais diarreia. A terceira tentativa foi a combinação de corticóide com um imunossupressor, cuja eficácia máxima leva cerca de três meses para se manifestar. Mais uma vez, não houve sucesso.
“Cada tratamento que falhava era um desespero. O Theodor só vomitava, tinha sangue nas fezes e não crescia. Estava inchado devido ao corticoide. Foi um período muito triste,” lembra Angela. “Foi agonizante ver meu filho definhando enquanto aguardávamos a burocracia. O Theodor pesava apenas oito quilos na época. Parou de crescer e engordar. A situação era crítica,” relata a mãe.
A criança estava extremamente debilitada, apresentando 10 a 12 episódios de diarreia com sangue e muco por dia. Sem apetite, as tentativas de alimentação resultaram em vômitos e diarreia. Marcelo, o pai, pediu demissão para cuidar exclusivamente do filho, afastando-se do mercado de trabalho por dois anos.
A quarta tentativa foi usar duas injeções mensais de um medicamento imunobiológico que custa aproximadamente R$ 13 mil. Sem condições financeiras de arcar com o custo, a família solicitou a medicação ao plano de saúde e ao Sistema Único de Saúde, mas ambos negaram. Foi necessário entrar com um processo judicial contra o plano de saúde. A primeira decisão foi favorável à empresa, mas, em segunda instância, o plano foi condenado a fornecer o medicamento.
Devido à burocracia, o acesso ao medicamento foi adiado por meses críticos. “A parte mais difícil foi a liberação da medicação. O Theodor não se alimentava e tinha fezes com sangue há muito tempo. Estava definhando. Eu pensava: ‘Meu filho está quase morrendo! Querem que ele morra?’” relembra Angela.
Felizmente e finalmente, Theodor começou a mostrar sinais de melhora com a medicação imunobiológica. De pouco em pouco, as diarréias diminuíram e o apetite retornou, embora os sangramentos persistissem em menor volume. Uma nova colonoscopia revelou uma pancolite, situação que ocorre quando todo o intestino grosso está inflamado. A quinta e última tentativa de tratamento foi a combinação do imunobiológico com um medicamento imunossupressor. A tão sonhada remissão da Doença de Crohn foi alcançada quando Theodor tinha quase dois anos. Tratando-se de DIIs, essa é a melhor condição possível, já que a doença
não tem cura.
Álbum de cocô
“Como Theodor apresentou sintomas da doença de Crohn de forma muito precoce, a gente nem sabe como seria a vida dele sem a doença”, afirma Angela. Essa convivência intensa com a DII trouxe mudanças significativas para toda a família. Quem vive com doença inflamatória intestinal sabe da importância de observar as fezes, um indicativo crucial da saúde do paciente. Angela recorda com clareza do dia em que Theodor, depois de meses de diarreia, fez um cocô normal.
Hoje, a família continua monitorando as fezes do garoto diariamente. Há até um álbum no celular e um grupo de WhatsApp dedicado aos registros. Apesar de todo o sofrimento, Theodor está bem e estável. A rotina da família inclui aplicações quinzenais do imunobiológico, realizadas pela tia de Theodor, técnica de enfermagem, e uma dose diária do imunossupressor. Pela manhã, ele frequenta o jardim de infância e à tarde é cuidado pelos avós paternos. Uma vez por semana, participa de uma aula de inglês em um sítio, onde adora brincar com os animais e aproveitar o ar livre.
A fofura de Theodor foi atestada pela repórter responsável pela escrita desse texto durante a chamada de vídeo que deu origem a essa reportagem. Todo simpático, o menino de olhos castanhos, cabelos loiros e bochechas rosadas mostrou, empolgado, um fusca azul de brinquedo. Sem nem me conhecer, ele estava lá, exibindo o carrinho e puxando assunto. Depois de ter contato com a história do pequeno, é impressionante pensar que, apesar de tudo que ele enfrentou, Theodor é um amor de criança.
Hoje, Angela faz parte da Associação de Pessoas com Doenças Inflamatórias Intestinais de Santa Catarina (DIISC), oferecendo apoio e informações para outros pais de crianças recém-diagnosticadas com DII. “Na época do diagnóstico do Theodor eu não conhecia nenhuma outra mãe que tivesse passado pela mesma situação e hoje posso oferecer essa ajuda. No início as pessoas ficam perdidas, ainda mais se tratando dos filhos. Elas não sabem muito bem o que fazer, em que médico ir, quais são os exames e as medicações”, diz a mãe de Theodor.
Angela também fez amizades valiosas, como com Fabiane, mãe de Pedro, que também enfrenta DII. Por meio de mensagens, as duas mães compartilham as experiências diárias e o convívio com a doença. “O meu recado para pais, mães e pacientes é: nunca desistam. A burocracia é parte do processo, mas temos que lutar pelos nossos direitos. A doença inflamatória intestinal é crônica e teremos que conviver com ela, mas não podemos deixar que as dificuldades nos abalem. Precisamos ser persistentes,” finaliza Angela.
Maria Woldan
Sou formada em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, tenho retocolite ulcerativa e sou voluntária na DIISC. Adoro conhecer histórias e tenho o objetivo de trazer representatividade para pessoas com DII através de textos sensíveis!