Entre crises e conquistas, Albert aprendeu a conviver com a retocolite ulcerativa e a transformar a dor em aprendizado e ação.
Florianópolis, 2016. Albert Joseph Hornett, de 37 anos, entrou no banheiro e se aproximou da pia. Com desdém, pegou a caixa de remédio na mão, observou as cápsulas na embalagem e colocou a caixa de canto novamente. "Hoje não", pensou ele. Na hora do almoço, não foi diferente. Apesar de ter restrições alimentares, ele seguia fazendo refeições sem levar isso em consideração. Ele sentia sintomas intestinais se consumisse produtos processados, como hambúrgueres, pizza, pipoca, maçã com casca, banana madura, adoçantes, diversos tipos de cerveja e vinho. Durante esse período conturbado, após o diagnóstico de retocolite ulcerativa,
Albert estava enfrentando uma crise intensa da doença. A patologia é classificada como uma doença inflamatória intestinal (DII), autoimune e crônica, ou seja, não há cura, apenas tratamento. A doença faz com que o sistema imunológico do organismo provoque inflamações na camada mais superficial do intestino grosso de forma contínua. Pessoas com a patologia possuem risco mais elevado de desenvolver câncer de cólon. A doença é dividida entre fase ativa, quando há o surgimento e a progressão de sintomas, e fase de remissão, quando o paciente não apresenta sintomatologia.
No caso de Albert, ele apresentava entre 20 a 30 episódios intensos de diarreia com muco e sangue, além de cólicas fortes. Albert também perdeu cerca de 20 quilos, chegando a pesar 67 quilos. “Eu sentava na cama e corria para o banheiro, sentava na cama e corria para o banheiro”. “Eu estava muito doente, e nesse momento comecei a pesquisar de tudo. Encontrei um livro de medicina chinesa, e a causa apontada no livro para a doença fez muito sentido para mim. Lá dizia que as doenças inflamatórias são as ‘doenças dos engolidores de sapo’”, relembra. Ao longo da vida, ele enfrentou diversas situações complexas no sentido emocional, como um relacionamento conturbado, o nascimento prematuro da filha e dificuldades financeiras.
O abalo psicológico enfrentado por Albert também foi intenso nos anos seguintes. Entre 2019 e 2020, ele teve de lidar com o luto pelo falecimento da avó, do pai e de uma tia. Os três moravam juntos em São Paulo, e Albert teve que lidar com as burocracias envolvidas no falecimento dos familiares à distância. Em julho de 2020, após autorização médica e uma leve estabilização nos sintomas da DII, Albert se mudou para São Paulo. “Eu senti a presença da morte na minha vida, pensava: ‘eu vim morrer no mesmo lugar que meu pai morreu’.”
Aceitação
“Depois de muito perguntar para Deus ‘por que comigo?’ eu finalmente comecei a aceitar a minha doença”. Nesse processo, a filha de Albert, Sofia, teve um papel importante. “Eu amo minha filha e, para poder estar com ela, eu precisava me ajudar, eu precisava me salvar”. No período da pandemia, Albert passou a utilizar medicamentos imunobiológicos, para os quais, para ter acesso, foi necessário entrar com processo judicial. Por dois anos, o medicamento foi eficaz, mas depois foi preciso trocar por outro medicamento biológico, que foi combinado com um imunossupressor.
Durante a trajetória, Albert contou com o apoio de familiares e também da Associação de Pessoas com Doenças Inflamatórias Intestinais de Santa Catarina (DIISC). No período em que esteve em São Paulo, recebeu doação de
medicamentos para poder seguir no tratamento. “Já ajudei e fui ajudado por várias pessoas, especialmente para compartilhar experiências. Às vezes a gente está perdido, mas tem outra pessoa que sofre da mesma dor que você e ela te dá uma palavra de conforto, uma dica, uma indicação de profissional.”
Desde o diagnóstico em 2016 até 2024, Albert passou por altos e baixos. No total, ele não passou mais de um ano sem apresentar uma crise de retocolite ulcerativa. “Tudo isso é muito complexo, mas eu evoluí muito, inclusive espiritualmente. Hoje em dia sou uma pessoa muito mais calma, mais centrada, não deixo mais os sentimentos apodrecerem dentro de mim.”
Atualmente, Albert está com a doença relativamente sob controle, a partir da utilização de medicamentos imunobiológicos e imunossupressores. Hoje em dia, ele trabalha como autônomo na produção de eventos e corretagem de imóveis e também conta com um auxílio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Como hobby, ele surfa há anos. “O mar é a minha igreja, é ali que eu me encontro com Deus”. Há aproximadamente dois anos, também participa de aulas de dança de salão, forró e samba. “A sinergia que é dançar, é incrível. Adoro dançar, música, pessoas”.
A história de Albert é uma prova de que, apesar das limitações impostas por uma doença crônica, é possível encontrar forças para seguir em frente. Em meio às dificuldades físicas, emocionais e espirituais, ele aprendeu a aceitar sua condição, a buscar equilíbrio entre o tratamento médico e o autocuidado, além de fortalecer a mente e disciplinar o corpo. O apoio da família, de amigos e das comunidades de pessoas com doenças inflamatórias intestinais foi essencial nesse processo de transformação. Hoje, Albert não apenas vive com a retocolite ulcerativa, mas também encontrou novos sentidos para a vida, seja no mar, na dança ou nas pequenas vitórias do dia a dia. Sua jornada é um lembrete de que, mesmo nas adversidades, a busca por um propósito e por momentos de felicidade pode ser o maior remédio.
Maria Woldan
Sou formada em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, tenho retocolite ulcerativa e sou voluntária na DIISC. Adoro conhecer histórias e tenho o objetivo de trazer representatividade para pessoas com DII através de textos sensíveis!